quarta-feira, 22 de agosto de 2012

QREN: uma tragédia anunciada


O Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) disponibiliza a Portugal um envelope financeiro de cerca de 21,5 mil milhões de euros para o período entre 2007 e 2013. Tendo arrancado um pouco "aos soluços", como seria de esperar (mas substancialmente melhor do que os quadros comunitários que o antecederam), o QREN encontrava-se há cerca de ano e meio em velocidade de cruzeiro e revelava bons níveis de execução, verificando-se, inclusive, que Portugal se destacava pela positiva, face aos seus pares europeus, no que respeita às transferências de montantes de apoio (situação que, apesar de tudo, ainda se mantém).

É neste contexto que chegamos às eleições de junho de 2011 e à consequente mudança de Governo. Importa referir que é relativamente habitual, aquando das mudanças de elenco governamental, haver um breve período de "interrupção técnica" (perdoem-me a expressão) no que diz respeito ao lançamento de novos concursos e às aprovações de novas candidaturas a co-financiamento e, como tal, seria expectável que se verificasse algum abrandamento a este nível. Mas não foi isto que aconteceu: o que aconteceu após as eleições de junho de 2011 foi uma autêntica tragédia no que ao QREN diz respeito.

Em março de 2012 e numa altura em que os órgãos de gestão, organismos intermédios, etc., deveriam já ter regressado à "normalidade", o Governo começa a ponderar sobre que ministro deverá tutelar o QREN, algo que, obviamente, deveria ter sido solucionado aquando da formação do Governo.

Mas o pior ainda estava para vir. A meio desse mesmo mês de março é publicada uma Resolução de Conselho de Ministros, no âmbito de uma "Operação Limpeza", a qual congela todas as decisões sobre novos projetos e inibindo o lançamento de novos concursos, mas prometendo que tudo estaria concluído no final desse mesmo mês (recordemos: março).

Em finais de abril, quando o prazo para a conclusão da Operação Limpeza já tinha passado à história, o Governo lá decide dizer qualquer coisa, anunciando então ao país que a suspensão de verbas do QREN tinha sido prolongada. Até quando, ninguém sabia, mas lá para meados de maio o Secretário de Estado lança uma pista: seria até ao fim do processo de reprogramação do QREN, sendo que este processo estaria concluído no primeiro semestre de 2012.

E assim se passou de março para o final do primeiro semestre, sem que nenhum dos prazos anunciados fosse cumprido. A economia, o investimento, o emprego, "que se lixem".

Ontem, 21 de agosto, ter-se-á realizado uma reunião entre o Governo e os parceiros sociais dedicada ao tema da reprogramação do QREN, a qual, segundo parece, não teve grandes resultados. Mais do que lamentável, esta triste sequência de eventos é um rude golpe na nossa economia, um projeto de cada vez, na pior altura possível.

As empresas continuam sem acesso ao "principal instrumento que o país tem para poder ajudar a ultrapassar este período complexo", numa altura em que a Banca não empresta, as empresas enfrentam sérios problemas de liquidez financeira e a economia precisa de investimento como do pão para a boca.

A poucos meses de entrarmos no último ano de execução do QREN, numa altura em que o Governo já deveria estar a preocupar-se com o próximo quadro financeiro plurianual (2014-2020), este é um cenário desastroso, que prenuncia uma tragédia na nossa economia. Julgo mesmo que isto encaixar-se-ia que nem uma luva naquilo a que Pedro Passos Coelho entendeu como "crime", quando em campanha eleitoral se lembrou de lançar a tirada demagógica da criminalização das decisões políticas (ideia que, felizmente, parece ter caído por terra).

Para terminar, uma recordação da última vez que o QREN foi "reprogramado": estávamos em julho de 2010 e a crise obrigava a alterações aos sistemas de incentivo, de forma a melhor adaptá-los ao nublado cenário económico que pairava sobre o tecido empresarial nacional. Foi o que se fez, através da "Estratégia para a Aceleração da Execução de Projectos Empresariais", desenhada e implementada de forma rápida e pragmática, mas, acima de tudo, sem qualquer necessidade de asfixiantes "congelamentos", que se arriscam a causar danos bem mais graves do que quaisquer possíveis frutos da reprogramação.

3 comentários:

Luisa disse...

E agora vem o Crato a dizer que vai ser usado para a Educação, sabendo nós que qq projecto de mudança educativa só traz efeitos uma geração depois, portanto 10 anos, e as pequenas empresas, a generalidade da nossa economia, a secarem ou a arderem, nem sei bem qual será o melhor adjectivo, o que significa o desemprego a galopar onde não haverá Educação que nos salve. É tudo uma estupidez, uma falta de visão. Os países do Norte da Europa continuam saudáveis na sua economia porque praticaram sempre um certo proteccionismo e impuseram essa prática à EU, o Sul embarcou no sonho da partilha e Portugal muito particularmente, eliminando empresas e áreas de actividade, agora, que deveria obrigatoriamente recriá-las para fazer renascer postos de trabalho podendo usar os fundos do QREN, continua a inventar seguindo escrupulosamente os conselhos dos tecnocratas europeus que não são obviamente do real interesse do país.

Anónimo disse...

Subscrevo inteiramente

Rui disse...

Cheira-me que os dinheiros do QREN (ou parte deles) vão ser entregues ao "parceiro" a quem o Governo irá concessionar a RTP. Serão privados, com iniciativa e empreendedorismo e que por isso vão merecer o investimento das verbas comunitárias (até porque quem ficar com a RTP tem de arcar com o passivo).