quinta-feira, 26 de maio de 2005

6,83

6,83% do produto interno bruto português. É este o valor estimado do défice nas finanças públicas, no final do ano corrente, de acordo com um estudo levado a cabo pela "Comissão Constâncio".
Começa a tornar-se ridícula a questão do défice em Portugal, principalmente depois de se saber como foi feito este último estudo e de se conhecerem as medidas que o Governo encontrou para resolver o problema. Há vários anos que este problema é conhecido, mas começou a tornar-se mais "visível" nos últimos tempos, nomeadamente desde que Durão Barroso tomou posse como Primeiro-Ministro e colocou Manuela Ferreira Leite a dirigir as finanças nacionais, há cerca de 3 anos.
Chegamos, após diversos episódios que tiveram tanto de tragédia grega como de humor britânico, à situação em que um político com provas dadas em diversas áreas ganha as eleições de forma arrebatadora e tem que enfrentar então esse tal défice. Resolve então solicitar a Vítor Constâncio o cálculo desse valor, para que depois se pudessem tomar as medidas adequadas à situação.
Não interessa aqui contar a história toda... Os jornais escreveram, as televisões transmitiram e os comentadores, como habitual, venderam as suas teorias tanto quanto puderam. O que interessa talvez saber, por não ter sido tão divulgado, é a metodologia deste cálculo do défice. E não foi assim tão complicado: observou-se o crescimento da economia nos primeiros meses deste ano e calcularam-se as restantes categorias do lado da receita... Obviamente, não foram calculados valores respeitantes às receitas provenientes do combate à evasão fiscal (não parece ser uma prioridade deste Governo) e da implementação de portagens nas SCUT (o transmontano e o beirão continuarão a pagar para que os turistas circulem na Via do Infante gratuitamente). Do outro lado, o da despesa, o que se fez não passou de um pedido efectuado a cada um dos ministérios para que apresentassem uma previsão de custos para o ano corrente; basicamente, perguntou-se a cada um dos Ministérios "olhe lá, quanto é que vai gastar este ano?".
Convém sublinhar que estes custos, que depois acabaram por dar nos tais 6,83, decorrem durante o mandato do actual Governo. Este facto ganha importância quando se sabe que não se pediu a qualquer Ministério para conter ou controlar despesas: só se lhes perguntou quanto iriam gastar... Assim, não é difícil entrar-se em situação de défice. Na minha limitada e insignificante opinião de cidadão contribuinte, acho que este trabalho seria muito mais frutífero e útil ao país se se tivesse aproveitado para, junto de cada Ministério, encontrar-se o valor de despesa adequado e evitar gastos exagerados. E depois, então, fazer-se as contas ao tal défice.
Seja como for, aparentemente isto não interessa para nada. O que interessa mesmo é mexer então nas finanças. Não no lado da despesa, como prometeu o actual Governo, mas sim no lado da receita fiscal. Aumenta-se assim o IVA, o ISP, o tabaco, entre outros... Ou seja, não resolvemos o problema, mas pelo menos tentamos matar-lhe a fome. Deixa-se assim para a sociedade a factura de uma gestão vergonhosa dos dinheiros públicos, em vez de se trabalhar no sentido de encontrar as categorias onde é possível corrigir falhas, limitar os gastos e, de uma vez por todas, mexer-se nos direitos adquiridos de inúmeros cidadãos (não apenas funcionários públicos).
O cidadão, que certamente não quer pagar por serviços que não usa (como as SCUT), que não quer pagar por aqueles que não pagam, que não quer pagar pelos erros cometidos por gestores / administradores de entidades públicas e pelos erros dos Governos mais recentes, vê-se assim confrontado com a realidade e terá, contrariado, que pagar por ela. O eleitorado votou massivamente naquele político que prometeu que iria reparar as finanças pelo lado da despesa, apesar dos inúmeros avisos da situação grave das finanças públicas... E agora, esse mesmo político resolve que a melhor maneira de solucionar o problema não é fechar as "fendas" por onde o dinheiro está a fugir, mas sim pedir à sociedade para dar mais dinheiro.
Tal como quando tentamos agarrar areia nas mãos, a solução para ela deixar de nos fugir por entre os dedos não é colocar mais areia por cima da que está a fugir, mas sim tentar fechar as aberturas por onde sai a areia; aliás, se não se fecharem essas fendas, quanto mais areia colocarmos, mais areia irá escapar. Será que o Primeiro-Ministro sabe disto?

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