domingo, 7 de novembro de 2010

Albergar programas eleitorais

No blog Albergue Espanhol decorre uma iniciativa bem democrática sob o título "Álbum de memórias", da autoria de Pedro Correia.

Basicamente, neste conjunto de posts, faz-se um "copy - paste" de excertos do Programa de Governo do partido que venceu as últimas eleições, como que exigindo ao Governo responsabilidades por este não ter concretizado, no primeiro ano do seu mandato, todos os pontos que integram o programa que foi apresentado aos eleitores portugueses para o mandato compreendido entre 2009 e 2013.

Já tive oportunidade de referir, em comentário a alguns destes posts, a minha opinião sobre esta análise democrática ao Programa de Governo do partido vencedor das últimas eleições. Trata-se de um documento público, com ideias e propostas concretas, que permanece ao dispor de todos para análise, crítica e confronto, em linha com as melhores práticas da democracia.

Acima de tudo, eu acho que é louvável verificar que num blog marcadamente associado ao PSD há um esforço de aprendizagem, de estudo, diria mesmo de análise daquilo que é um Programa Eleitoral. Como todos se recordam, no Verão de 2009 o PSD limitou-se a apresentar um plano de estudos, vago e sem objectivos concretos, a que, ingenuamente, decidiu apelidar "programa eleitoral". Face a esta realidade, o país só terá a ganhar se o PSD aproveitar o tempo que tem até às próximas eleições legislativas para aprender a fazer um programa eleitoral a sério e, então, conseguir apresentar ideias concretas e exequíveis, em vez do agradável plano de intenções de 2009. E, para garantir que tal objectivo é alcançado, nada melhor do que fazê-lo recorrendo ao programa do partido vencedor.

No entanto, como certamente o leitor já percebeu, esta abordagem revela-se, logo à partida, falaciosa. Com efeito, ninguém no seu perfeito juízo assume que um determinado Governo, eleito para um mandato de quatro anos, deverá executar integralmente o seu programa em um ano. Esqueçamos, inclusive, os objectivos a longo prazo, as mudanças sociais ou económicas que possam ter um impacto maior do que a mera duração da legislatura: não - pela análise constante do Albergue Espanhol, ou está tudo concretizado e implementado no primeiro ano de mandato, ou há que exigir, de imediato, responsabilidades (civis e criminais?) a quem está no poder.

Para além disto, esta análise ignora (ou faz por ignorar) que um programa para eleições legislativas é um documento que é submetido ao escrutínio dos eleitores, podendo desse escrutínio resultar uma composição parlamentar que obrigue o partido vencedor a entendimentos ou a negociação com os restantes partidos para conseguir concretizar os desígnios que constam do seu programa eleitoral. Trata-se do cenário actual e, como é óbvio, numa composição parlamentar com estas características, não é possível ao Governo executar, por si só, os objectivos constantes do seu programa eleitoral. Julgo que isto não é novidade para ninguém.

Mas voltemos ao plano de intenções que o PSD apresentou em 2009. Analisemo-lo a sério, como se sugere que se faça ao Programa de Governo do partido vencedor. Que ideias, que propostas, que compromissos estão lá?

Pois. Poucos, senão mesmo nenhuns. E é aqui que reside uma outra falácia desta prática do Albergue.

É que quando não existe um programa concreto, ideias, propostas, a que estejamos vinculados, é realmente muito fácil exigir responsabilidades ao partido que fez o seu trabalho e sujeitou ao escrutínio do eleitorado o seu programa. De facto, enquanto o Governo, ainda que minoritário, manifesta esforços no sentido de executar o seu programa eleitoral, o maior partido da oposição revela as suas intenções de uma forma inesperada e inconsequente, sem que as mesmas estejam previstas no programa de estudos que apresentou como "programa eleitoral" aquando das últimas eleições.

A recente telenovela sobre as SCUT é um dos melhores exemplos desta situação.

Não sendo pública a posição do maior partido da oposição sobre esta matéria, não havendo qualquer compromisso público em relação a este assunto tão sensível para as pessoas e empresas localizadas nas áreas abrangidas por SCUT, foi possível ao PSD surpreender tudo e todos ao defender (e impor) a implementação de portagens em todas as SCUT, ao contrário de apenas em algumas, tal como estava definido no Programa de Governo do partido vencedor.

Um mínimo de honestidade intelectual faria o PSD não se pronunciar sobre uma matéria sobre a qual foi omisso na sede própria, mas, provavelmente, isso já seria exigir demais. É sempre mais confortável ir navegando ao sabor da maré, opinando ao sabor dos dias e manifestando as suas intenções caso a caso, sem uma linha definida que permita a todos saber, afinal de contas, o que pretende este PSD.

Uma última nota: se algo que se passou no Verão do ano passado já está remetido à categoria "álbum de memórias", algo vai mal com o PSD. Mas se fosse só isso...

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